Viajei Bonito

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Tour de três dias e duas noites no Deserto do Saara

Está chegando a hora de me despedir do Marrocos. Hoje deixo Marrakech, de volta a Asilah e escrevo este artigo a bordo do trem noturno que vai pra Tânger… como o sono não veio, achei que era a hora certa de escrever… escrever sobre a experiência mais intensa de toda a minha viagem até agora: o tour de três dias e duas noites no Deserto do Saara.

É importante avisar que eu precisaria ser um escritor profissional pra conseguir passar todas as emoções que essas últimas setenta e duas horas me causaram, mas como não sou, prometo tentar ao máximo com minha narração e imagens de tudo que se passou.

Se você for à Marrakech algum dia na vida e tiver oportunidade de conhecer o Saara, não pense… vá! 

Tour de três dias e duas noites no Deserto do Saara

Dias antes da excursão se iniciar, tive a sorte de conhecer brasileiros que moram na Inglaterra e que me convidaram a ir com eles. Tudo começa às cinco e meia da manhã de domingo. Acordamos, tomamos café, dormimos aguardando o guia, acordamos de novo, andamos até o micro-ônibus e dormimos de novo. A essa hora eu já não sabia o que era sonho e o que era realidade. Mas como há fotos, acredito que isso tudo aconteceu.

Cordilheira do Atlas

As primeiras atrações da excursão pelo Deserto do Saara são as vistas para algumas das montanhas pertencentes à Cordilheira do Atlas, acompanhadas de um clima que lhe ajuda a imaginar a temperatura que faz lá em cima. Nessas primeiras paradas, já havíamos subido um grande trecho em ziguezague por desfiladeiros íngremes e montanhas muito altas, tão altas que a própria altitude faz a temperatura cair drasticamente. Pra quem saiu de um centro urbano abafado como Marrakech, aquele primeiro contato fora do micro-ônibus já deu meio que um susto.

Cordilheira do Atlas, Marrocos
Cordilheira do Atlas, Marrocos. Créditos: Adriano Castro

A partir daí, fizemos várias rápidas paradas de cinco minutos para fotos. É algo que você não espera encontrar no Marrocos: montanhas nevadas. Você sabia que há pistas de esqui por aqui? Eu não. Descobri isso nas primeiras semanas que estive em Tânger.

A impressão que eu tive nesse momento é que estávamos próximos demais dessas montanhas, e com isso você se esquece de que está no Marrocos, apreciando a paisagem como se estivesse em um país montanhoso e frio. Mas, calma, apenas algumas horas depois é que você vê a Cordilheira do Atlas com outra perspectiva, que você descobrirá daqui a pouco. Perspectiva essa que pra mim foi a campeã das paisagens que pude presenciar até agora.

Aït-Ben-Haddou

A hora do almoço se aproximava e nós fomos visitar uma autêntica cidade berbere, tombada pela Unesco como patrimônio mundial. A cidade fazia parte da rota de caravanas de comerciantes entre o Saara e Marrakech e foi fundada no ano de 757. É incrível ver como tudo parece estar ainda vivendo nesse ano.

Vila de Aït-Ben-Haddou, no Marrocos
Vila de Aït-Ben-Haddou, no Marrocos. Créditos: Adriano Castro

Visitamos a tenda de um artista berbere, que pintava quadros com tintas feitas de índigo, açúcar e outras matérias-primas extraídas pelos próprios moradores. Muito interessante acompanhar o processo, que começa com a pintura no papel e termina com sua queima parcial, fazendo com que o açúcar se torne caramelo, aplicando colorações mais escuras no desenho.

Só por curiosidade, vários filmes já foram filmados nessa cidade, dentre eles: Gladiador, Babel e alguns capítulos de Game of Thrones. O guia nos mostrou ainda o espaço que foi reservado para construção de uma das arenas dos gladiadores, que ainda está preservado (somente o espaço vazio).

Um dos locais onde foi gravado o filme Gladiador, em Aït-Ben-Haddou, Marrocos
Um dos locais onde foi gravado o filme Gladiador, em Aït-Ben-Haddou, Marrocos. Créditos: Adriano Castro

Mas o melhor da vila está guardado no topo. Ao subir vários degraus chegamos ao topo da cidade onde havia um mercado há séculos atrás. O que você vê dali de cima é uma das paisagens mais raras do mundo: um deserto com montanhas nevadas ao fundo. Não rodei nem meio por cento do planeta, mas tenho certeza de que dá pra contar nos dedos o número de lugares onde você tem uma vista como essa. É muito estranho imaginar que nos mesmos quilômetros quadrados há locais extremamente quentes e outros negativos, praticamente juntos.

Cordilheira do Atlas vista de Aït-Ben-Haddou, Marrocos
Cordilheira do Atlas vista de Aït-Ben-Haddou, Marrocos. Créditos: Adriano Castro

Depois de um dia cansativo, somos guiados a um hotel na beira da estrada onde passamos a noite. No dia seguinte: passeio no Deserto do Saara!

Tapetes berberes

O segundo dia do passeio pelo Deserto do Saara começou pra gente antes mesmo que pros passarinhos. Mal amanheceu e já estávamos colocando as mochilas no micro-ônibus, caminhando como zumbis e sem entender o que estava acontecendo. Meu sono era tanto que eu nem me lembro do que comi no café-da-manhã ou de ter comprado 1,5 litro de água pelo dobro do preço normal. Maldito seja quem se aproveitou disso.

Fomos levados então para Tinghir – uma cidade que ficava no caminho pra Gorges du Todra, nosso próximo destino – e então para uma casa de família berbere que ainda mantinha suas tradições na produção de tapetes. Assistimos a uma aula sobre a simbologia berbere impressa nos tapetes e tomamos chá com uma das artesãs que trabalhava pacientemente para desembaraçar bolos de lã de ovelha que tinham acabado de ser lavados. Foi uma experiência muito rica.

Visita a uma casa berbere que tem como tradição a venda de tapetes, em Tinghir, Marrocos
Visita a uma casa berbere que tem como tradição a venda de tapetes, em Tinghir, Marrocos. Créditos: Giovana Serricchio

Gorges du Todra

A última parada antes do tour no Saara foram as Gordes du Todra, ou Gargantas do Todgha, formadas por desfiladeiros próximos à cordilheira do Alta Atlas e da cidade de Tinghir. A parada foi rápida, somente para algumas fotos e uma caminhada de aproximadamente vinte minutos entre os dois penhascos enormes. O clima entre as “paredes” era frio e um riacho bem raso separava seus lados. Essas gargantas se estendem por um vale que forma um dos oásis mais ricos em diversidade do Marrocos.

Gordes du Todra, no Marrocos
Gordes du Todra, no Marrocos. Créditos: Adriano Castro

Nessa hora o guia já falava muita coisa sobre o lugar, mas eu perdi tirando as fotos. Ou um ou outro né! O único momento em que pesquei foi quando ele falou sobre a senhora que morava nas montanhas e, ocasionalmente, vinha até o riacho para buscar água, que você vê na foto logo abaixo.

Moradora das montanhas que ocasionalmente busca água em Gordes du Todra, Marrocos
Moradora das montanhas que ocasionalmente busca água em Gordes du Todra, Marrocos. Créditos: Adriano Castro

A empolgação para o passeio no Saara era tanta que tudo que eu queria era voltar logo pra estrada. E foi isso que fizemos.

Passeio no Saara

Finalmente! Agora estávamos indo em direção a Merzouga.

A estrada entre Gorges du Todra e o começo do Saara já é de fato uma grande atração turística que deve ser aproveitada. Vários quilômetros antes de chegarmos a Merzouga, é possível avistar as dunas do deserto no horizonte, e pra quem nunca teve contato com isso antes (como eu) é impossível não se deslumbrar. E pra completar essa paisagem, as planícies entre a estrada e essas dunas que estão ao longe parecem ser tão planas quanto um lago.

Agora pegue isso tudo o que eu disse acima e coloque ovelhas, cabras e dromedários pastando… alguns tão longe que você só os identifica pela silhueta. É sem sombra de dúvidas uma parte da excursão que deve ser bem observada, mesmo que nenhum guia lhe diga para olhar pela janela.

Terminado o trajeto final até Merzouga, o micro-ônibus nos deixa em um restaurante localizado já na beira das dunas.

Nesse momento, se você não tem uma ou mais garrafas d’água, compre! Uma vez que você entrará pra dentro das dunas não será mais possível comprar qualquer coisa.

Dromedários e camelos – NÃO FAÇA ESSE PASSEIO :(

Esta seção foi editada no início de 2017: de uns tempos pra cá, nós temos nos preocupado cada vez mais com o turismo sustentável. Um dos princípios que temos aplicado ao blog e a todas as nossas viagens é a de condenar qualquer atividade que explore animais. Durante a visita ao Deserto do Saara, montei em dromedários para chegar até a aldeia dos berberes. Me arrependo de não ter tido consciência e discernimento na época, por isso recomendo que você opte por tours que façam o mesmo percurso em veículos automotores. Os animais não são obrigados a carregá-los nas costas e provavelmente não o fazem de bom grado.

Pôr-do-sol

Durante o percurso, os guias nos param pra que possamos apreciar o pôr do sol. E lhe digo que é de tirar o fôlego. Abaixo do céu não há prédios iluminados, fumaça ou qualquer coisa que possa estragar a cena: somente areia, e em dunas que parecem ter sido moldadas cuidadosamente com uma colher de pedreiro.

Ficamos ali parados e nesse momento nem fotos dava vontade de tirar, só observar. Por sorte, vários amigos que fiz durante esses dias me cederam algumas imagens para distribuir ao longo do artigo.

Pra fechar o espetáculo do pôr-do-sol, chegamos às barracas berberes montadas entre duas grandes dunas e fomos recebidos com pranchas de sandboarding e terminamos a tarde enchendo os cabelos, cuecas, meias e celulares de areia após demonstrações bisonhas de falta de prática e amor próprio. Uma pena esses tombos não terem sido registrados.

Anoiteceu, descemos com as pranchas e aí sim conhecemos as barracas.

Noite com os berberes

Ao chegar às barracas, fomos separados em dois grandes grupos, pois nas tendas só cabiam entre oito e dez convidados. Nessa hora, se você está viajando em um grupo grande, provavelmente ele será separado em barracas diferentes, mas não se preocupe: o que vem logo depois da alocação deixou todo mundo tão cansado que não dormimos… capotamos.

Quando guardamos as coisas é que percebi o quanto um item me fez falta: lenços umedecidos. Se você não tem esse item em seu checklist de viagens é melhor tratar de incluí-lo. Não há chuveiro, nem sequer torneira, você está suado, cheio de areia no corpo e não há como se limpar. Pelo menos pra mim a sensação só deixou de ser incômoda horas depois quando veio o frio.

Bom, pra começar os berberes nos convidaram para um tajine de frango, servido em grandes tigelas para seis ou sete pessoas. Não há pratos individuais. Todos comem juntos. É um pouco estranho para nós que não temos essa cultura, mas uma vez que você está no deserto, em uma tenda berbere, não há porque não viver essa tradição. Um detalhe: a iluminação é toda feita por um lampião. E nessa hora várias pessoas se lembraram dos pais que usavam lampiões pra pescar, inclusive eu.

Terminado o jantar é que a festa começa. É feita uma fogueira e os berberes sentam em volta com instrumentos musicais que lembram os tambores de percussão, além de outros que se parecem com pandeiros. E as músicas são muito divertidas. Eles constantemente pedem pra você acompanhar com palmas e volta e meia jogam um tambor pra você participar também. Nessa hora pegamos nossas cervejas e uísques comprados horas antes no último ponto de venda de bebidas alcóolicas e morremos de rir com o inglês que ofereceu a um dos músicos que virou quase a garrafinha toda num gole só. Foi surpreendente. Até ele riu da situação.

Após umas duas horas de músicas típicas e outras que nós mesmos puxamos, eles guardaram os instrumentos e alguns ainda ficaram ali curtindo o final da fogueira contando histórias e piadas. Um dos berberes falava português fluente e conhecia várias. O frio foi começando a atacar pra valer e aos poucos cada um foi indo pra sua tenda. Por isso, leve agasalhos!

Como eu sempre digo, os artigos no Viajei Bonito vão muito além de narrativas de minha viagem e eu tento ao máximo passar a você, caro leitor, ideias para que você aproveite mais e se planeje melhor, por isso aqui vai minha dica de ouro caso você tenha a oportunidade de fazer esse tipo de excursão: faça uma caminhada noturna. Sozinho ou acompanhado… não importa. Quando você está em locais ermos como o Saara, não há luzes em terra, dificilmente haverá nuvens e você terá uma visão fantástica das estrelas. Será muito comum ver estrelas-cadentes. Mas recomendo fazer essa caminhada enquanto a fogueira no centro das tendas ainda estiver acesa, caso contrário você pode andar demais e perder a referência de onde está.

Nascer do sol

Às cinco e meia da manhã todos estavam de pé para a volta. Partimos de volta pra Merzouga com uma pausa no meio do caminho para ver o sol nascer. Essa é outra parte interessante da excursão. Tiramos a última foto durante a volta para Marrakech e que eu faço questão de registrar aqui. Um grande abraço e muito obrigado ao João, Lucas, Gi, Giovana, Bruna, Luisa, Andressa e Aline por terem me convidado a fazer parte desse grupo espetacular por alguns dias.

Caminho de volta à Marrakech, após ter o tour de três dias e duas noites no Deserto do Saara, Marrocos
Caminho de volta à Marrakech, após ter o tour de três dias e duas noites no Deserto do Saara, Marrocos. Créditos: Adriano Castro

As várias horas de viagem

Ao chegar em Merzouga e voltar para o micro-ônibus, era hora de se preparar para doze horas de viagem de volta. Sim. Você se esquece de que a vinda foi feita durante dois dias, parando em vários pontos turísticos com você ainda descansado. Mas fazer o que, já que não temos dinheiro pra comprar um helicóptero o jeito é voltar por terra.

A recomendação agora é que você providencie um remédio pra enjoo. Quando as placas de Marrakech anunciam que faltam apenas 120 km é que começam os problemas: você estará descendo verdadeiros desfiladeiros e as estradas são quase em ziguezague. Só de escrever e lembrar o quanto eu passei mal há algumas horas atrás já me dá outro embrulho no estômago. Pra completar o meu lamento o trem agora está balançando. Obrigado a você também, Murphy¹.

Como contratar o tour para o Deserto do Saara

Acredito que qualquer albergue em Marrakech tenha convênios com empresas que fazem a excursão que fizemos. Basta procurar pela excursão de três dias e duas noites no Saara. No meu caso, eu estava no Rainbow Hostel e lá mesmo eu já fiz minha inscrição, paguei e peguei o recibo. Na manhã do primeiro dia, o guia nos buscou no albergue a pé, até o máximo que o micro-ônibus poderia chegar.

De qualquer forma, vários outros hotéis e albergues também oferecem a contratação do tour. Dentre os hotéis e riads que indicamos para Marrakech, estão:

Com relação a valores, paguei oitenta euros, valor que acredito ser muito em conta, dado que tínhamos direito a dois cafés da manhã e dois jantares, hospedagem, transporte e guias, tudo incluído. Se você parar pra pensar no quanto você gasta com esses fatores estando em uma cidade qualquer, verá que estará gastando talvez até mais do que isso. Por isso recomendo que vá!

Agora é hora de voltar e despedir do Marrocos

Bom, já cheguei ao máximo que poderia neste país que me surpreende a cada dia. Digo que me surpreende, pois cheguei aqui há um mês atrás cheio de preconceitos e praticamente toda essa ideia formada do Marrocos mudou. Já simpatizo com as pessoas, tradições e lhe digo que gostaria de poder explorar ainda mais o sul do país. Vai ficar pra próxima.

Em algumas horas estarei de volta à Asilah e na semana que vem volto pra Tânger, pra passar minha última semana na África, antes de migrar para o leste europeu. Neste meio tempo, continuarei escrevendo mais artigos sobre mochilão, dicas de viagem e espero poder contar com sua leitura e com seus comentários abaixo.

Nos vemos em um próximo artigo! Salamaleico!

¹ Referência à Lei de Murphy.

[vb_post_list tag=”marrocos” limit=”25″ title=”Leia mais sobre o Marrocos”]

Adriano Castro

Formado em Ciência da Computação pela UFJF, trabalhou durante 10 anos como analista de sistemas até chutar o balde e tocar a vida como freelancer, carregando seus projetos para onde quer que vá.

2 pensou em “Tour de três dias e duas noites no Deserto do Saara

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