Primeiras impressões sobre Tânger, no Marrocos
Depois de ansiosos meses de espera, o grande dia chegou e eu finalmente estou no Marrocos. O clima é bem característico do deserto: quente durante o dia e frio no final de tarde (sabe-se lá como será à noite).
Não vou negar que no momento em que desci do avião e vi a bandeira do Marrocos ao lado de alguns coqueiros e aquele terreno característico da África eu pensei: nossa, o que é que eu vim fazer tão longe? E enquanto pensava me vinha uma crise de riso. Chegar num país rindo sozinho é meio que desconcertante. Espero que ninguém tenha visto.
Após percorrer algumas esquinas, tomar uns sustos e estabelecer os primeiros contatos, resolvi já descarregar um artigo marcando a primeira imagem que tenho do país. Sei que muita coisa e muitos conceitos mudarão, por isso o que se registra aqui é somente aquele pensamento inicial que com certeza deixa todo mundo meio sem saber se gostou ou não.
Chega de introdução… vamos lá!
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Barganha
Vou começar falando de um assunto clássico das tradições marroquinas. Você provavelmente já ouviu falar que no Marrocos a barganha é quase um esporte. E é mesmo. O problema é que eu ainda não sei jogá-lo. Em uma de minhas tentativas suicidas, um garçom até riu, dando as costas quando ofereci pagar metade do valor de um café. Deve ter pensado: lá vem mais um que acha que é só chegar e falar um preço menor. É claro que eu pretendo me aperfeiçoar nessa arte.
Mas se a barganha é realmente um esporte por aqui, hoje eu fui o atacante reserva de um time da série D que foi escalado depois de uma noite de farra. Pode ficar tranquilo, pretendo descrever o segredo pra desenrolar bonito com os vendedores. Só não chegue aqui se achando o artilheiro e tentando fazer gol de fora da área.
Os supostos guias
O que mais me marcou no momento em que cheguei à Medina de Tânger é a forma como os nativos nos abordam na rua para oferecer várias coisas. Vendedores estão sempre nos convidando a conhecer suas lojas ou somente pra dar bom dia. São bem simpáticos. Mas o problema é que existem várias pessoas aqui que oferecem levá-lo até o albergue mesmo você dizendo que não precisa.
As instruções pra se chegar ao meu albergue eram claras: desça próximo ao Hotel Continental e vá seguindo as plaquinhas nas ruas. No momento em que desci do taxi já fui abordado por um refugiado sírio (bom, foi o que ele disse) me perguntando onde eu estava hospedado. Na hora recusei e agradeci a ajuda, mas ele não parava de me seguir dizendo que iria até lá comigo.
Pois bem, depois de muita conversa resolvi dar um voto de confiança ao cara e ele foi perguntando pelo nome do albergue de lojinha em lojinha. Só lembrando: as ruas da Medina são becos que mal cabem carros e possuem alguns trechos escuros e nada movimentados. E esse “guia” começou a me levar pra um beco desses. Quando eu ameacei voltar, vi que era tarde. Surgiram outros três do nada… esses caras foram sumonados, não é possível. De onde eles surgiram? E falando ao mesmo tempo começaram a me perguntar uma série de coisas em árabe. Eu estava totalmente perdido, sem saber se corria ou se me esforçava pra não parecer um gringo assustado. A decisão foi tomada: ignorar todos eles e voltar andado com o passo apertado. Mas eles não gostaram muito disso. O sírio entrou no meio, tentando acalmar o pessoal, que parecia ter ficado ofendido com minha atitude. Ele arranhou um francês e eu entendi coisas como: “ele é brasileiro”, “brasileiro é assustado mesmo”, “deixa que eu mesmo levo ele”.
Por fim achei um café com internet e entrei pra tentar estabelecer contato com o albergue. Sem sucesso. Os computadores não funcionavam direito e o pessoal não responderia ao e-mail naquela hora. Nesse meio tempo o sírio voltou, pegou minha mochila e me mandou segui-lo. Na hora você pensa: perdi…, o sujeito foi andando rápido, comigo desesperado atrás dizendo a ele que era pra me deixar carregá-la. Paguei uns trocados pela internet e fomos pra rua. Por fim ele me disse que estava desesperado pra tentar entrar na Espanha e que era pra ajudá-lo com o dinheiro. Deixei uma gorjeta e agradeci pela “ajuda“. Acima de tudo ele foi bem solícito e honesto comigo, no geral fiquei contente pelo esforço dele em me deixar tranquilo com o grupo de caras do beco. Pronto, agora eu estava sozinho. Não sabia se era bom ou ruim.
Bom, estava eu de volta à estaca zero quando quem surge? Um dos três rapazes que outrora foram sumonados naquele beco escuro e vazio. Ele e o pai. Os dois queriam me ajudar a achar o albergue de qualquer maneira, e por algum motivo o pai dele parecia indignado comigo. Respirei fundo e pensei: pior que tá não fica, vamos ver se eles vão tentar me levar pra algum beco isolado de novo e fui seguindo eles. E não é que me ajudaram a achar o albergue? Ofereci alguns dirhams de gorjeta e eles recusaram! Fiquei até sem graça pelo meu preconceito. Epílogo: horas depois enquanto saía novamente pra comer alguma coisa encontrei com eles. E o pai meio que me obrigou a pagar o filho dele doze dirhams por ter ajudado a encontrar o albergue. Eu hein!?
Mas pelo que vi aqui com os outros viajantes que encontrei no albergue, o Marrocos é extremamente tranquilo. Esse tipo de guia vai existir em todos os lugares e são chatos mesmo. Não desgrudam. Se você é mal educado eles estressam. Mas isso você acaba acostumando e conseguindo fugir sem causar más impressões. Veremos.
No geral: não tenha medo. Pra nós que somos brasileiros e aprendemos a não confiar em estranhos na rua é bem difícil chegar aqui e sair seguindo qualquer pessoa que lhe ofereça ajuda. Mas o próprio recepcionista, que é chileno, disse que também chegou assustado e que nunca nesses doze meses que ele está aqui viu um assalto sequer.
Ainda no “ramo do oferecimento”
Depois dessa confusão toda, deitei por alguns minutos e resolvi sair pra conhecer a região. Consegui ignorar os “guias” que tentavam me convencer a andar com eles e cheguei a um café num parque. Enquanto saboreava um café aguado e de gosto diferente do que estou acostumado, sentou um cara do meu lado e mesmo eu dizendo que queria ficar sozinho, ele insistiu em conversar comigo.
Por fim descobri que esse cara queria me vender haxixe. Eu disse a ele: outra hora, agora estou sem dinheiro. Ele então perguntou: mas como você está sem dinheiro e pretende pagar esse café? Fiquei sem reação… me olhando com uma expressão muito séria e apontando o dedo para meu nariz ele disse: não minta nunca para nós. Não gostamos de mentiras por aqui. Confesso que deu medo na hora, mas eu tinha o recurso da corrida. Não precisou, ele largou do meu pé.
O problema é que já tinha outro vendedor “na fila”. Foi ele sair e um poliglota especializado em maconha sentou do meu lado pra puxar assunto. Ele falava português, inglês, francês e árabe. Ainda desenrolava o português muito bem. Depois de recusar de todas as formas ele insistiu que eu aceitasse um baseado de graça, que não iria me cobrar. Me estressei com a insistência, levantei, despedi do sujeito e saí do café. Voltei pra casa direto. Desisti de andar na rua por hoje. Vou conversar com meus colegas de quarto pra saber como eles lidam com essas situações. Assim que eu descobrir falo com você em um próximo post.
Língua
Pra você que acha que no Marrocos só se vira quem sabe um pouco de francês, acredite, quase todo mundo aqui fala inglês. Surpreendi-me com um bar aos pedaços que só tinha um balcão com aquelas balas em potes de plástico e umas poucas bebidas cujo senhor que administrava falava inglês fluente. E é um inglês parecido com o inglês do Apu dos Simpsons. Acho muito maneiro.
Com o espanhol (e o portunhol) você também consegue se virar.
Vale lembrar que estou falando de Tânger, no norte do Marrocos, que faz divisa com a Espanha. Caso você esteja pra visitar o país, procure se informar a respeito de quais línguas são úteis por aqui.
Sobre esse primeiro dia
Você pode estar pensando: por que escrever um artigo logo no primeiro dia ao invés de esperar pra tirar melhores conclusões? Achei que seria interessante registrar aqui as primeiras impressões pois elas podem ter sido observadas por muitos e muitos visitantes do país. Ainda, quero comparar essas impressões com minhas conclusões ao deixar o país, daqui a um mês e meio. É sempre bom você observar como chega e com que cabeça você sai.
Por fim apresento-lhes meu escritório temporário para as próximas semanas.
Bom, então é isso. Vejo o primeiro pôr-do-sol da África na minha vida e tirarei uma boa noite de sono pra curar o cansaço do trajeto. Amanhã é dia de conhecer melhor a Medina, achar uma estratégia pra conseguir andar sozinho e barganhar 150 gramas de tomate.
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